segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Fim de semana

O carinho do enlaçar dos dedos. A leveza nos ombros. Calafrios suaves. O prazer da presença. A falta que faz. A doçura do dia-a-dia. A beleza de um café da manhã. A paz. O cabelo que engancha na boca. O cheiro de coisa certa. As gargalhadas à noite. O beijo de bom dia. O olhar que devora. A unha que arranha, sem querer. A música que cabe. O corpo que encaixa. O amor que deixa sem palavras.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Caixa

Partiu a foto ao meio e disse adeus aos conflitos comuns, à frieza desmedida, à falta de constrangimento. À sua covardia, incoerência, hipocrisia.
Despediu-se de todos os “poréns” mal colocados. Da excentricidade medíocre. Do seu comportamento obsessivo. Do mal que ele lhe fez.
Juntou na caixa todos os seus pertences. Acomodou os sonhos desperdiçados, as promessas não cumpridas, as dívidas em aberto, a foto rasgada.
Selou então a caixa com silver tape e mandou doar a alguém que estivesse precisando.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Conquista


Fez uma visita surpresa.
Foi espontânea.
Fingiu não se importar.

Cedeu.
Colocou música no Orkut.
Falou besteira.
Roubou-lhe um beijo.
Enviou textos do Calligaris.
Tentou convencê-lo.
Gravou uma canção.
Mudou o corte de cabelo.
Usou um pouco de sarcasmo.
Montou um blog.
Esteve disponível.
Apresentou-lhe Andrew Bird.
Acordou-o com um beijo no pescoço.
Trocou palavras proibidas.
Segurou sua mão.
Recusou-se a acreditar.
Comprou roupas novas.
Sumiu do mapa.

Fez de tudo para conquistá-lo, mesmo sabendo que não precisava. Acho que acabou o repertório.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Embriaguez


Assim que pisou em seu apartamento ela hesitou e se perguntou baixinho “o que estou fazendo aqui?”. Ele, com um cinismo cativante, convenceu-a de que não precisava saber. Ele estava certo, não havia nenhum outro lugar em que quisesse estar.

Ela já havia deixado claro, antecipadamente, quais eram suas intenções. Foi preciso um pouco de vinho para que esquecesse as promessas que havia feito a si mesma. Ele reforçou que não estava falando de sexo, mas não conseguia tirar o olho do seu decote.

Tudo o que acontecera, antes daquele momento, parecia uma conspiração indecifrável. As decepções, que os levaram até ali, frutos de um golpe de sorte. Esqueceram a dor e tudo fez sentido novamente.

Quanto mais falavam, maior a certeza de que poderiam ser felizes juntos, para sempre. Ele perguntou “você acredita mesmo nisso?”. Nem seu racionalismo extremado podia fazê-la dizer não. Naquela noite, ele a fez perder a razão.


Reencontro

À distância, ela nutriu a esperança de que ele se tornara uma pessoa melhor, durante o tempo em que ficaram separados. Horas antes do encontro, no cinema, perdeu a seqüência do filme, relembrando cenas de sua história. Juntou o que pôde do amor que sentiu por tantos anos, agora esparramado pelos cantos da lembrança. Apegou-se à imagem que um dia fez dele, tratando de esquecer, por alguns segundos, que era apenas uma ilusão. Encheu-se assim de coragem para o reencontro.

Com poucas palavras, viu que o homem de sua vida não passava de um menino angustiado, perdido, bobo, sem capacidade de fazê-la feliz. As lágrimas escorreram pesadas, frustradas, carregadas de decepção. No fim, apenas o olhar seco, incapaz de admirá-lo. Ela disse um vago “que pena”, mas silenciosamente constatou que o sentimento de pena havia tomado o lugar da paixão.

Deu-lhe um beijo, já sem amor ou qualquer outro sentimento que o justificasse. Na busca, apenas, de um fim mais digno para a sua história, pois o merecia. Levantou-se, ainda abalada, deu meia volta e, na mesma velocidade, virou mais uma página de sua vida.